Pescaria de piracanjuba no encantador Rio Quebra-Anzol

O que era para ser uma pescaria de dourados virou uma aventura inesquecível com esta espécie que corre risco de desaparecer dos rios brasileiros

Por Lester Scalon

Entre as mais esportivas das espécies de peixes de nossos rios está a piracanjuba (brycon orbignianus), uma verdadeira princesa de nossas águas. Para fisgar a espécie, partimos para mais uma aventura pelo Rio Quebra-Anzol. Mas, na verdade, em busca dos dourados.

A piracanjuba extremamente sensível às alterações ambientais, sofreu um declínio violento nas últimas décadas com a construção de hidrelétricas e com as alterações ambientais de nossos rios, o que levou à sua extinção em vários trechos e em vários rios do nosso país.

As primeiras chuvas já haviam caído, a época e a água estavam no ponto. O trecho de rio a ser percorrido tem 30 km; o barco é colocado na água logo de manhãzinha e o percurso rio abaixo dura o dia todo.

Apesar de toda minha euforia e a do meu irmão Laurence, infelizmente nossa aventura de um dia inteiro terminou com duas fisgadas de dourados que acabaram escapando na “briga”, e nada mais. Restou somente uma grande decepção com o Quebra- Anzol. Mas não desanimamos, esperamos mais uma chuva, e duas semanas depois já estávamos de volta.

Quando chegamos ao local da descida dos barcos, o nível e a cor da água novamente estavam no ponto. E nosso peito novamente se encheu de confiança. Nesta segunda descida, além do meu irmão Laurence, em outro barco estavam os amigos Neudon, Jacaré e Cássio, todos muito empolgados.

Meu barco foi o primeiro a começar a descida no rio. Uma hora depois, o segundo barco começaria sua descida, para dar um tempo nos pontos e assim ter mais sucesso na pescaria, e só iríamos nos encontrar lá no final. E, para dar um pouco mais de emoção na aventura, ninguém deveria saber o que estava acontecendo no barco do outro.

O Quebra-Anzol é um rio fabuloso encravado no interior de Minas Gerais

Lugar incrível

Uma aventura no Quebra-Anzol, que é um dos formadores do lago da Usina de Nova Ponte, já vale somente pela fantástica paisagem preservada, pelas aves e animais que a vão lindamente emoldurando. Nesta época do ano, as copaíbas estão trocando as folhas e põem um colorido fantástico na paisagem. Quando os peixes aparecem, se torna uma pescaria inesquecível.

Assim que nosso barco começou a navegar, o nível de adrenalina no sangue começou a aumentar junto com a ansiedade, e logo no primeiro ponto uma linda tabarana foi capturada pelo Laurence, mas, depois de alguns saltos para nos dar as boas-vindas, escapou.

Para começar a pescaria já era um bom sinal, pois um pouco mais de adrenalina sempre nos faz bem. Mas a partir daí o tempo foi passando e nada dos dourados aparecerem; só cardumes de curimbatás se movimentavam pelas rasuras do rio.

Surpresa

Com certeza, neste ano, a piracema estava atrasada. Já era época dos primeiros cardumes estarem se movimentando. Nos pontos mais promissores descíamos do barco para melhor explorar o local, pescando em cada cantinho, fazendo uma verdadeira varredura neles, mas nada. Passamos a mudar as iscas, mas sem sucesso.

A gente sabe que, por causa do tamanho e da profundidade de um rio como o Quebra -Anzol, se o pescador tem muita experiência, fica muito difícil ao peixe se esconder, porque a isca quase sempre está próxima dele.

Mas o tempo foi passando e já estávamos perdendo a esperança, quando num dos pontos notei uma movimentação diferente, que parecia uma onda. Volte-me para o Laurence e disse: “ que será aquilo?”.

Ao mesmo tempo, minha isca já estava viajando no ar. Mal tocou a água, veio a batida. Automaticamente percebi que não era um dourado e fiquei por um pequeno instante sem saber o que seria. Logo, a linda piracanjuba se mostrou num salto espetacular. Junto com ela foram o susto, meu coração e o nível de adrenalina.

E, para minha enorme surpresa, uma grande princesa de nossos rios estava na ponta de linha. Repito: elas são matreiras, costumam escapar com muita facilidade. Mas essa não poderia escapar, pois fazia um longo tempo que não capturava uma piracanjuba na natureza.

Depois de muita briga e muitos saltos, alguns registrados pelo Laurence, consegui pôr as mãos naquele lindo exemplar. Cheios de alegria, fomos tirar umas belas imagens e devolver a princesa de volta ao seu reino.

A piracanjuba é uma espécie protegida no Brasil e por isso deve ser respeitada

Dos reis às princesas

Sou um eterno apaixonado pelos dourados, mas os desafios de uma pescaria de piracanjubas me fascinam há mais de 30 anos. Assim, sem tardar mudamos o foco da pescaria, visto que, apesar de frequentarem quase os mesmos locais dos dourados, no ponto de pesca ficam em locais um pouco diferentes dos “reis”.

Começamos, então, a usar iscas menores, pois a boca da piracanjuba é pequena. Com elas é mais fácil fisgar e não perder o peixe, assim alguns pontos, como os grandes remansos, passaram a ter atenção especial. Elas adoram esses locais.

Árvores frutíferas e floridas ganharam também uma atenção especial, pois as piracanjubas são onívoras, comem peixes, insetos, frutas, pequenos roedores, flores e grãos.

Ao final do dia de uma bela pescaria de piracanjubas em vez de dourados, estávamos curiosos para saber se nossos companheiros também tinham se encontrado com elas.

Estávamos quase chegando, quando nossos companheiros nos alcançaram. E, para nossa alegria, também tinham capturado suas belas piracanjubas.
O curioso é que o Quebra-Anzol nunca teve piracanjubas. Creio que a cachoeira de Nova Ponte, antes da construção da barragem, que tem o mesmo nome, era um obstáculo limitador da espécie em suas águas.

Sua presença ali, hoje, se deve a peixamentos aloctones (peixes da mesma bacia introduzidos em trechos onde não existiam) feitos pela CEMIG, como medida mitigatória pela construção da hidrelétrica de Nova Ponte, que alagou mais de 130 km do Rio Quebra-Anzol.

Assim terminamos mais uma grande aventura de sucesso no Rio Quebra- Anzol, com a surpresa das piracanjubas. E, quem sabe?, no ano que vem poderemos fazer uma grande pescaria de dourados e piracanjubas juntos.

A espécie ataca uma série de iscas. Mas sua captura com artificiais é mais emocionante