Pesca & Companhia entrevista Jeremy Wade, o “rei dos monstros”

Jeremy Wade ficou mundialmente famoso apresentando, desde 2009, o programa “Monstros do Rio”, no qual desvenda mistérios e fisga feras que habitam as águas de todo planeta e, pelo visto, sua jornada continua

Por Leonardo Millen

O britânico Jeremy Wade é um biólogo, zoólogo, escritor e, principalmente, pescador, mundialmente famoso por viajar há 40 anos pelos quatro cantos do planeta investigando a existência e ataques de peixes monstruosos a seres humanos, muitas vezes em locais remotos e de difícil acesso.

Ele também faz questão de conhecer o folclore local e os personagens reais que se deparam com esses monstros para, como um detetive, encontrar respostas e solucionar os “causos”, além de tentar a todo custo capturar as feras. Na maioria das vezes, com sucesso.

Na Amazônia, por exemplo, ele visitou a tribo indígena dos Matis para capturar o Poraquê ou Peixe Elétrico, para investigar a estranha imunidade que estes índios têm aos choques. Por falar nisso, ele solta todos os peixes que fisga ou os doa vivos para institutos de pesquisas locais.

O resultado dessas aventuras é exibido no programa “Monstros do Rio”, que Wade apresenta desde 2009. No Brasil, as nove temporadas foram ao ar na TV fechada, no Discovery, e findaram em 2017, entretanto, desde então reprises passam todos os dias no Animal Planet, canal que também pertence ao Discovery.

Nesses anos à frente do programa, Wade rodou o mundo e teve lá seus percalços. Ficou exposto à radiação pescando em Chernobyl, foi preso acusado de espionagem na Ásia, pegou uma malária brava na África, sofreu um acidente de avião na Amazônia e ficou semanas de molho após ser atingido no peito por um Pirarucu no Brasil. Aliás, ele já esteve aqui várias vezes, fala um português bem razoável e considera o nosso país como sua segunda casa.

Segundo o Discovery, “Monstros do Rio” é uma das maiores audiências do canal em nível mundial.

Ou seja, Wade é o verdadeiro “monstro-rei” no universo da pesca, mas também tem muitos admiradores que curtem aventura, determinação e superação em meio a ambientes inóspitos, cheio de perigos. Tanto é que para satisfazer ainda mais seus “súditos fiéis” ele já escreveu três livros: “Em algum lugar abaixo do Rio Louco”, “River Monsters” e saindo do forno agora em maio “How to think like a fish”.

É recebido com reverência em qualquer país que vá e tem sempre que atender fãs ardorosos que insistem que ele faça a décima temporada.

A boa notícia é que ele resolveu atender aos pedidos e ir além com a estreia de um novo programa, “Jeremy Wade: Águas Misteriosas”, desde o dia 22 de abril, às 21h25, com transmissão no Brasil pelo Animal Planet.

Outra ótima notícia é que Wade conhece a Revista Pesca & Companhia e topou na hora dar uma entrevista exclusiva diretamente de Londres, onde mora, para abrilhantar a nossa comemoração de 25 anos. Ele respondeu até algumas perguntas em português…

Jeremy Wade é conhecido por seu comportamento destemido e sua maneira peculiar de pescar

Pesca & Companhia – Para resolver casos bizarros gravando “Monstros do Rio” você viajou redor do mundo e sempre foi interessado no folclore e na cultura dos lugares. Qual é a sua opinião sobre como as pessoas ainda se relacionam com a pesca?

Jeremy Wade – Muitas pessoas ainda possuem ligações fortes com os rios e mares, mesmo agora no século 21, quando não é mais uma realidade para a maioria de nós tratarmos dos peixes como uma importante fonte de alimento. No entanto, ainda há esta conexão muito profunda e você pode encontrá-la em quase toda parte. É uma linguagem universal, o que significa que onde quer que eu vá eu tenho uma ligação com o povo local.

P&C – Você foi a lugares distantes, difíceis de alcançar e perigosos. Você também sofreu um acidente de avião na Amazônia. Este roteiro faz parte de muitas pescarias no Brasil. A recompensa deste tipo de pesca/aventura vale a pena?

Jeremy Wade – É tudo uma questão de preparação. Nós sempre avaliamos os riscos e tomamos todas as medidas para minimizá-los. Só que a gente nunca pode eliminá-los completamente. Portanto, temos que estar preparados para coisas que possam nos surpreender e para lidar com emergências. Nós não viajamos com um médico, mas a maioria da equipe (inclusive eu) tem treinamento em trauma remoto, carregamos um telefone via satélite e temos números de emergência e planos de evacuação imediatos em todas as expedições. Se os riscos forem muito altos (por exemplo, agitação política), não vamos.

P&C – De todos os peixes que você pegou, quais os que foram mais difíceis e recompensadores do ponto de vista de um pescador? A maioria deles eram realmente monstros mortais?

Jeremy Wade – Pegar um pirarucu de 110 kg com mosca (na Guiana) foi muito gratificante. Vimos ele e dois menores e os seguimos com calma em um barco. Um tempo depois, o fisguei no meu primeiro arremesso. A maioria dos peixes que pego são predadores e são potencialmente perigosos para as pessoas. Mas os casos de pessoas sendo mordidas ou feridas são muito raros. Isso só acontece se você estiver no lugar errado na hora errada. O importante é saber que os peixes estão lá e entender seu comportamento. Desta forma você pode ficar fora de problemas. Dito isso, aconteceu uma vez que um pirarucu me deu uma pancada no peito. Foi tão forte que ainda podia senti-lo depois de seis semanas!

P&C – Dos episódios de “Monstros do Rio”, qual o peixe que mais te impressionou? Há algum que você gostaria de recomendar aos pescadores para tentar sua captura?

Jeremy Wade – O goliath tigerfish (peixe-tigre gigante) foi muito difícil. Em parte porque só viajar no Congo sem fazer nada é muito difícil. Lá tem muito poucos barcos e quase nenhuma infra-estrutura. Viajar na Amazônia é rápido e fácil em comparação. E se um deles, depois de alguns dias morder a isca, é muito difícil de fisgar, porque a boca é muito dura. Normalmente, eles saltam para fora da água e cospem o anzol nos primeiros cinco segundos. Não recomendo a ninguém que experimente este peixe, porque só viajar para lá é muito difícil. É preciso ter experiência nesse tipo de viagem (estive lá quatro vezes, em um total de quase oito meses) e por sorte tenho algum conhecimento da língua (francês e Lingala).

P&C – Para pegar esses monstros foi necessário um estudo de ambiente, preparação de equipamentos e logística. Você se envolve também no planejamento?

Jeremy Wade – Antes de estrear na TV, passei 20 anos viajando sozinho. Então eu já tinha feito várias pesquisas e conhecia muitos lugares e peixes. O mais importante é ir ao lugar certo na hora certa. Se você não fizer isso, não vai pegar nada. Agora eu não tenho tempo para fazer todas as pesquisas, então temos outras pessoas fazendo isso, mas sempre fico de olho no que está sendo planejado para ver se é realista ou não.

P&C – Que sets de pesca você costuma levar nas viagens? Como uma seleção de material é feita?

Jeremy Wade – O desafio é levar equipamento suficiente para cobrir todas as situações que provavelmente encontrarei, sem estar sobrecarregado. Temos de ter mobilidade. Levo sempre um tubo para proteger minhas varas e uma ou duas flight cases (aquelas caixas grandes de alumínio que se usa para cargas aéreas). O que eu tenho depende do tipo de pesca que vou fazer. Porém, às vezes, não tenho uma idéia muito clara. Também quero ter opções diferentes, mas também é importante não carregar muito. Meu equipamento padrão consiste em duas varas pesadas de pesca com isca, uma varinha para pesca com isca artificial e uma varinha muito leve para peixes pequenos. Mais os seguintes acessórios: uma carretilha grande com náilon de aproximadamente 0,80 mm (40 kg de resistência), uma carretilha com multifilamento de 150 lb (70kg de resistência), talvez um molinete com multifilamento de 50 a 80 lb, uma carretilha de perfil baixo com multifilamento de 40 lb e um molinete pequeno com náilon de 10 lb. Em seguida, anzóis, arame, alicates, lima etc.

P&C – Qual é o segredo para pegar o peixe-alvo? Você tem um procedimento padrão ou você personaliza para cada situação?

Jeremy Wade – Obtenho o máximo de informações possíveis antes de ir para a pescaria. Mas isso nunca é suficiente. Tudo se resume em descobrir o momento certo e o lugar certo. Quando chego ao rio, continuo coletando informações. A inteligência local é muito importante. Em alguns lugares é possível contratar um guia, em outros é sempre bom encontrar alguém que possa colaborar comigo.

P&C – O que você lembra do Brasil? E dos peixes que você pegou por aqui?

Jeremy Wade – Eu adoro o Brasil. Considero o país minha segunda casa. Eu pesquei algumas vezes no Rio Teles Pires. Lembro-me de ter feito uma incrível pesca de superfície de tucunaré, que não é um peixe enorme, mas de bom tamanho, de até 4 kg ou 5kg. Também foi ótimo pescar peixes de couro no rio na hora certa: pirarara, surubim, jaú e até alguns filhotes.

A pescaria de peixes de couro como as piraíbas é uma da favoritas de Jeremy Wade em rios brasileiros

P&C – Você tem uma profissão que todo pescador sonha em ter. Mas qual é a parte difícil, que as pessoas nem imaginam?

Jeremy Wade – Há sempre uma enorme pressão, uma necessidade de obter um resultado. E muito tempo é gasto filmando outras coisas, não pescando. Em uma filmagem média de três semanas, normalmente eu só gasto cerca de quatro dias pescando. Mas quando eu sei que a pesca vai ser difícil, costumamos estender isso para 10 a 11 dias. No entanto, o bom de ter tempo limitado é que isso faz com que você realmente pense sobre o que está fazendo. Você pensa e age de forma eficaz.

P&C – E o que é mais gratificante?

Jeremy Wade – Quando eu estava viajando sozinho, ia para um lugar a cada ano. Era interessante porque eu passava até três meses em cada um. Agora eu vou para uma variedade muito maior de lugares. É outra forma de recompensa, pois tive a oportunidade de experimentar muito tipos diferentes de peixes.

P&C – Qual a sua opinião sobre a pesca esportiva?

Jeremy Wade – Ver os rios como fonte de alimento no século 21 não faz sentido. A bacia do Amazonas é possivelmente uma exceção, mas mesmo ela precisa ser gerenciada corretamente. Hoje em dia, se muitas pessoas afastam os peixes, é muito fácil matar um rio. Então, “pegar e soltar” é o único caminho a percorrer se quisermos continuar a ter vida em nossos rios. É bom ver que essa percepção está se espalhando rapidamente pelo mundo.

P&C – Você deseja continuar fazendo programas para a TV ou tem novos planos?

Jeremy Wade – Eu pretendo continuar fazendo programas de TV, mas quero que eles evoluam. Existem muitas histórias por aí que precisam ser contadas de maneiras diferentes. Por isso gostaria que os brasileiros dessem uma olhada no meu novo programa que acaba de estrear em abril. Também quero escrever mais. Acabei de finalizar um novo livro sobre a abordagem mental da pesca que será publicado em maio, mas não ainda em português, receio.

P&C – Por conta do “Monstros do Rio” você conquistou muitos fãs por aqui. O curioso é que nem todos são pescadores. Há também os que admiram sua coragem, personalidade, tenacidade e superação frente ao perigo. O que podemos esperar deste novo programa?

Jeremy Wade – Eu agradeço a todos pelo carinho. O novo programa é muito semelhante ao “Monstros do Rio”, mas as histórias revelam mais diversidade. Também mostramos um pouco mais do processo de viajar. E o estilo de filmagem é um pouco diferente. Espero que os fãs e “novos companheiros” gostem.

P&C – Você conhece a Revista Pesca & Companhia?

Jeremy Wade – Yes! Claro que sim. Dê um “Hello” e deseje “Tight lines” por mim para todos os leitores! Boas pescarias!

Site: http://www.jeremywade.co.uk
Facebook: /RiverMonstersGlobal
Instagram: @thisisjeremywade