Uma espécie arisca e que proporciona boas brigas pode ser fisgada no interior de Minas Gerais
Por Lester Scalon
A minha relação de pesca com as pirapitingas vem desde a infância. Nestes longos anos, aprendi muito a pescar esta pequena preciosidade de nossos rios. Peixe de pequeno porte, atinge no máximo 2 kg, mas a média de capturas é de 500 a 800 g. Quando fisgada, se agiganta, lutando e tentando de todas as formas escapar, coisa que acontece muitas vezes. O habitat da pirapitinga (Brycon nattereri) – que é um peixe onívoro, pois come praticamente de tudo – são pequenos rios e ribeirões de água rápida do Sudeste e Centro-Oeste.
O Rio Araguari, um afluente do Rio Paranaíba, fica próximo à minha cidade, Sacramento (MG). Ele e seus afluentes sempre foram repletos de pirapitingas, pois são locais bastante preservados, condição fundamental para elas sobreviverem. Na minha infância e juventude, antes de começar a pescá-las com iscas artificiais, utilizávamos varias iscas naturais, entre elas pequenos peixes, cigarras, gafanhotos, minhocas, coração fatiado, etc.
Quando comecei a pescá-las com iscas artificiais, durante um bom tempo vasculhei estômagos de pirapitingas e encontrei praticamente de tudo, a começar por pequenos peixes, insetos de todos os tipos, frutas e sementes silvestres, um rato, uma centopeia, uma unha de capivara, um filhote de pássaro, flores de ipê e quaresmeira e, no de uma das maiores que capturei até hoje, impressionantes 14 coquinhos jerivá. Esta devia estar próxima dos 2 kg. Como podem ver, é um peixe que come praticamente de tudo.
Boa memória
O CEPTA (Centro Nacional de Pesquisa e Conservação de Peixes Continentais) de Pirassununga fez testes de memória com matrinxãs (Brycon cephalus) – peixe da mesma família que a pirapitinga (Brycon nattereri) – e chegou à conclusão de que sua memória tem um período de duração de 12 dias. Baseado em minhas experiências dentro do rio pescando e comparando as duas, a memória da pirapitinga com certeza é maior que a do matrinxã. Acredito que a pirapitinga seja um dos peixes mais ariscos de nossos rios; portanto, ao sair para uma pescaria, tenha em mente que sutileza na aproximação dos locais de pesca será fundamental para o seu sucesso.
Algo que sempre me intrigou e a respeito até hoje não consegui uma resposta é isto: pescando com isca natural pode-se pescar varias no mesmo ponto, e com iscas artificiais raramente se consegue capturar mais de uma. A pirapitinga gosta de água limpa, pois sabe utilizar com maestria a sua capacidade visual. Já presenciei um exemplar acompanhando a isca no ar e atacando-a na caída. É fantástico.
A pirapitinga vagueia por todo o rio em busca de comida, mas tem sempre seus pontos prediletos, onde ficam alertas a qualquer movimento, atacando com extrema rapidez na disputa pelo alimento. Alguns locais normalmente são de sua preferência, como as cabeceiras de pedras e travessões, pequenos remansos e “entradas” nas corredeiras, câniãos, espraiados nos finais de poços mais fundos, os que estão embaixo de arvores floridas que têm frutos ou não, como copaíba, ipê-amarelo, quaresmeiras, jerivá, etc.
Portanto, quando estiver pescando, observe a todo momento o ambiente em sua volta e fique atento a revoadas de insetos caindo na água, principalmente tanajuras e gafanhotos, pois ali com certeza terá um cardume de pirapitingas banqueteando.
A pescaria
Com tralha leve e varas de 5’6″ e 14 lb, a pescaria fica emocionante, pela força e capacidade de luta desse peixinho. O tamanho das iscas é fundamental para o sucesso da aventura: iscas com até 7 cm se acomodam melhor em sua pequena boca, que possui mais de uma carreira de dentes e poucos locais propícios para cravar o anzol, que tende a escapar com muita facilidade. Depois de fisgada, ela põe a habilidade do pescador a toda prova, com saltos e contorções acrobáticas de deixar com inveja qualquer ginasta de solo.
Hoje pesco com multifilamento e elas escapam com mais facilidade ainda, pois a elasticidade das linhas monofilamento ajuda muito a amortecer suas fantásticas contorções. Por outro lado, a linha multi nos faz exercitar ainda mais nossas habilidades para mantê-las no anzol. Ter sempre em mãos um pequeno puçá é muito útil na hora de embarcá-las, porque são inquietas, escorregadias e difíceis de manusear.
Como o peixe é arisco e a água é limpa, o recolhimento não pode ser lento, senão elas só acompanham do lado da isca. Pequenos toques e paradinhas rápidas são algumas opções e você também pode pôr em prática todas as suas artimanhas de trabalho de isca.
Normalmente pescamos de duas formas. A mais produtiva é quando pescamos caminhando pelas margens e andando dentro d’água; em algumas situações, colocamos um salva-vidas e vamos pescando dentro do rio, andando pelos locais mais rasos e pelos barrancos – o salva-vidas serve para atravessar os locais mais fundos. Os peixes ficam mais tranquilos nesta modalidade, pois estamos praticamente integrados ao ambiente. Podemos explorar cada cantinho e cada pedra do rio ou ribeirão.
Em uma ocasião, as ariscas pirapitingas chegaram a mordiscar as partes alaranjadas do meu tênis, confundindo com frutos caídos de árvore. Esta foi uma experiência incrível que presenciei quando estava caminhando por dentro do rio e as vi comendo as sementes de uma copaíba. O local tinha pouco mais de 1 metro de profundidade, e no frenesi das sementes caindo – elas são alaranjadas –, acabei pegando algumas pirapitingas no mesmo local, fato que normalmente não acontece. Depois elas ficaram ariscas e só acompanhavam a minha isca; quando eu esticava o braço para trás, recolhendo-a, elas chegavam até a minha frente.
Detalhes da captura
Quando queremos pescar num trecho mais longo, vamos de barco e normalmente é possível percorrer pescando uns 30 km de rio, sempre descendo ao sabor da correnteza. Já fiz essa pescaria em caiaques canadenses, em botes infláveis e em barcos de alumínio. A grande vantagem de pescar desse modo é que percorremos e pescamos num trecho maior de rio, tendo maior chance de encontrar os cardumes.
A desvantagem é que o barco assusta as ariscas pirapitingas, então o jeito é descer o rio de rodada, controlando o barco com remos para não fazer barulho. Já experimentamos descer com o motor elétrico, mas a vibração da hélice espanta um pouco os peixes. Pescamos com arremessos mais longos para compensar a presença do barco no ponto, e muitos locais ficam sem ser explorados, pois a velocidade da água nos impede de arremessar em todos os pontos.
Se você ainda não pescou pirapitingas, não sabe o que está perdendo. Pegue sua tralha e venha pôr em prática todas as suas habilidades na pesca, pois elas são peixes desafiadores.