Proposta da Fundação Florestal para criar o Parque Estadual Marinho Tartaruga-de-Pente é criticada por moradores, pescadores e empreendedores locais, que alegam falta de diálogo e temem prejuízos sociais e econômicos
A proposta de criação do Parque Estadual Marinho Tartaruga-de-Pente, no entorno da Ilha Anchieta, em Ubatuba (SP), tem gerado uma onda de protestos e acentuada resistência por parte de moradores, pescadores artesanais, representantes do setor turístico e lideranças comunitárias. Em audiência pública realizada na Câmara Municipal na última sexta-feira (16/5), o plenário foi tomado por críticas e desconfiança em relação ao projeto apresentado pela Fundação Florestal.
Segundo o diretor executivo da Fundação, Rodrigo Levkovicz, o novo parque marinho atuaria como um “escudo” contra a especulação imobiliária e náutica, e traria benefícios ambientais e econômicos a longo prazo. A proposta, no entanto, foi recebida com desconfiança. Parlamentares locais apontaram contradições entre a apresentação feita e o texto técnico do projeto. Já representantes do setor náutico afirmaram que o parque inviabilizaria atividades de turismo embarcado e restringiria o uso do mar por comunidades tradicionais que há décadas dependem da pesca artesanal e da navegação para sobreviver.
Entre os mais críticos está a Associação de Turismo Náutico de Ubatuba, que classificou o processo como unilateral e sem a devida consulta às populações afetadas. Em carta aberta, a entidade acusa a Fundação de ignorar o Decreto nº 6.040/2007, que garante o direito das comunidades tradicionais ao uso sustentável de seus territórios, e afirma que a nova classificação de “proteção integral” poderá resultar em graves impactos socioeconômicos.
“Estamos diante de um processo que ameaça nossa cultura, nossa subsistência e o modelo de desenvolvimento sustentável que praticamos há décadas”, afirmou o representante do setor de Turismo Náutico de Ubatuba (SP) Talles Veloso durante a audiência.
Além da falta de consulta prévia, moradores também denunciam a ausência de estudos sobre os impactos sociais do projeto. A preocupação central é que o parque venha a impedir atividades tradicionais legalmente exercidas e abra espaço para uma gestão centralizada e excludente. Um abaixo-assinado com mais de 2 mil assinaturas contra a criação da unidade já circula entre a população.
Em resposta, a Fundação Florestal afirma que a proposta ainda está em fase de consulta pública e que já promoveu mais de 40 reuniões com diferentes setores da sociedade ubatubense – grande parte delas com resistência dos consultados. No entanto, a instituição garante que o novo parque não trará prejuízos às comunidades tradicionais e afirma que a iniciativa busca, justamente, evitar que operadores externos ao município, muitas vezes atuando irregularmente, comprometam a sustentabilidade ambiental da região.
A Fundação também anunciou que será criado um Comitê Gestor com participação paritária entre o poder público, a sociedade civil e os setores produtivos locais. Esse comitê, segundo a nota oficial, terá poder deliberativo e será responsável por definir, de forma coletiva, as regras de uso do território marinho, o zoneamento e o credenciamento de operadores.
Apesar da proposta de gestão compartilhada, a audiência demonstrou que a confiança da população local nas instituições do Estado está abalada. Casos anteriores de decisões “de cima para baixo” ainda estão vivos na memória coletiva, e muitos temem que a criação do parque aconteça por decreto, sem que as vozes locais sejam, de fato, ouvidas.
“A conservação verdadeira só pode ocorrer com diálogo, justiça e respeito aos povos que historicamente cuidam da biodiversidade. O futuro do meio ambiente e o das comunidades tradicionais não são excludentes — são complementares, quando há vontade política e sensibilidade social”, declarou a Associação de Turismo Náutico de Ubatuba (SP), em declaração pública contra a iniciativa.
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